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Foto do escritorFernanda Travassos-Rodriguez

Saúde mental infantil-juvenil na pandemia



Tenho ficado perplexa em constatar como os adultos não estão se dando conta, dos medos das crianças, durante a pandemia do COVID.

Atendendo crianças, seus pais e/ou cuidadores online, ao longo deste período, fiquei bem surpresa e grata com o bom funcionamento dos dispositivos tecnológicos, sobretudo, para crianças que são nativas digitais. A tecnologia para essa geração chegou antes da própria língua mãe e o manejo dela se dá com muita naturalidade.

Aprendi muitos recursos para brincar online, para deixar a sessão mais leve do que uma conversa (como fazemos no consultório) e com isso ajudar a criança a produzir e não se dispersar tanto da tela durante o tempo de atendimento.

As queixas mais frequentes entre os pais têm sido recorrentes e em uníssono: comportamentos disruptivos, agitação e pesadelos. Como a linguagem da criança, a respeito das suas emoções, difere bastante da dos adultos, talvez não fique tão óbvio o quão estão apavoradas com tudo isso. Os relatos que tenho ouvido dos pequenos, em grande pare das vezes, são dentro de uma mesma esfera: medo que os avós morram, medo que os pais morram e/ou medo de contrair o COVID; além da saudade imensa da escola, dos amigos e da rotina que tinham antes.

Muitos pais, por trabalharem em serviços essenciais ou por outras razões, têm saído de casa e isso causa um medo imenso de vulnerabilidade da parte da criança. A maioria não tem maturidade emocional para processar os temores, nem para conversar com os próprios pais. Tal desconforto emocional transforma-se em inquietude, irritabilidade e comportamentos agressivos em relação aos pais. Além disso, à noite, durante o sono o cérebro, tentando se organizar com tudo isso, produz pesadelos intensos e assustadores.

Do lado dos pais, na nossa cultura, há um hábito frequente de não falar sobre assuntos difíceis com as crianças. No imaginário parental falar sobre determinados assuntos traz à tona algo que “estava quieto” ou que “nem estava ali”. O fato curioso é a perplexidade dos pais quando conversamos sobre os temores da criança. Na maioria das vezes, não lhes passava pela cabeça que ela estava tão “ligada” na realidade, já que parecia alheia aos assuntos e os pais não as expunham a conteúdos jornalísticos.

Todo mundo já ouviu falar que as crianças são esponjas ou antenas... é mais ou menos isso mesmo. As crianças são muito mais atentas e próximas a linguagem não verbal do que os adultos (que já deixaram de atentar para a linguagem não verbal ao longo dos anos). As crianças sentem o “clima”, percebem os olhares, veem o medo ou a tranquilidade no rosto dos pais. Essa é a sua mais fiel medida.

Quando há um assunto, como o do coronavírus, do tamanho de um elefante branco, sentado em plena sala de estar, e não se conversa sobre isso, de uma forma saudável com as crianças, para ajudá-las a processar emocionalmente e racionalmente o assunto; ela dificilmente consegue fazer sozinha e ainda observa que o canal de comunicação com os pais está “quebrado, neste sentido. Sendo assim, o medo e a ansiedade ficam assombrando a criança (que a esta altura, já enterrou bastante do conteúdo racional do medo), porém, isso tudo continua dentro dela sem que a sua mente tenha feito um processamento adequado da informação. A partir deste ponto, os comportamentos costumam ficar sinalizando para os pais que algo não vai bem. A grande parte dos sintomas psicológicos das crianças giram em torno do comportamento disruptivo, alimentação e sono.

No entanto, não espere perguntar ao seu filho (como se ele fosse um mini-adulto) “o que está acontecendo” e ter uma resposta direta. Na maioria das vezes, você vai ouvir: “nada” ou “não sei”. Não desista! Continue nas conversas fale sobre como você se sentiria numa pandemia na idade dele. Use recursos como filmes e livros que falem de sentimentos ou situações desafiadoras.

Esgotados os recursos familiares, e achando que tentou de tudo e a criança permanece “dando sinais” de que algo não vai bem, peça ajuda. Existem psicólogos preparados para lidar com crianças e seus pais com qualidade, mesmo no formato online. Ainda é importante dizer que se for apenas um evento pontual em função do contexto que estamos vivendo, a criança reagirá mais rápido e não levará esses sentimentos com ela para o pós-pandemia. Porém, alguns estudos, sobre sofrimento psicológico em situações de catástrofe humanitária, mostram que se intervenções breves não forem realizadas, há chance tanto para crianças, quanto para adultos, levarem os problemas deste período para a vida pós-pandemia, possibilitando o desenvolvimento de um transtorno psicológico ou psiquiátrico. Vamos manter a saúde mental? Você consegue!

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Fernanda Travassos Rodriguez é psicóloga e doutora em psicologia clínica. Trabalha com crianças em consultório há 25 anos.


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